As expectativas e críticas das periferias frente à maior conferência climática do mundo.
Menos de 500 dias separam a Amazônia da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, e Belém já respira os impactos da COP 30. Nas ruas, o frenesi das obras, como a revitalização da Doca e a construção do Parque da Cidade, transforma a paisagem da capital. No entanto, um debate persiste: Para quem realmente são essas melhorias? E quem está sendo deixado de fora dessa grande transformação?
Desde 1995, líderes mundiais se reúnem de forma itinerante nos mais diversos continentes para discutir os efeitos das mudanças climáticas e as formas de enfrentamento à crise ambiental. A COP se tornou um dos principais fóruns internacionais, tratando não apenas de questões climáticas, mas também de geopolítica global, como os conflitos entre as potências ocidentais e orientais. Em 2025, Belém será palco de intensos debates sobre a preservação da Amazônia, e um dos maiores desafios será garantir que as múltiplas vozes que ecoam na região, muitas vezes invisibilizadas, sejam realmente ouvidas.
Contudo, enquanto os olhos do mundo se voltam para a Amazônia, as populações periféricas de Belém enfrentam um sentimento de exclusão. As transformações que ocorrem no centro da cidade parecem distantes de suas realidades diárias. Fernanda Marques, uma estudante da periferia, expressou sua frustração:
“Estão maquiando a cidade toda. Sabe quantas vezes essa semana já arrumaram (o bairro) Nazaré? Maquiam a parte bonita e escondem a parte empobrecida.” Seu desabafo resume a percepção de muitos que veem a revitalização urbana como um processo desigual, que prioriza as áreas mais centrais enquanto negligencia as regiões mais vulneráveis.
Por outro lado, Alcione Santos, trabalhadora da feira da Terra Firme, tem uma visão mais ambígua sobre a COP 30. Embora reconheça o transtorno causado pelas obras, ela também vê o evento como uma oportunidade: “Mana, é coisas que dá até vontade de rir, né? Porque é transtorno. É igual quando a gente tá construindo uma casa. Nós tem transtornos, né? Mas eu acho que tudo isso aí, a gente está passando por isso… Eu acredito que é uma oportunidade muito grande para nós que é empreendedores. Nós vai ter contato com vários países, né? Várias línguas. Eu acho assim, sensacional. É uma porta que se abre que não é em qualquer lugar, né? E a gente tem que aproveitar esse momento.”
Esses depoimentos refletem uma tensão central: a expectativa de que a COP traga benefícios econômicos para as comunidades locais contrasta com o medo de que as mesmas sejam deixadas à margem do debate climático. Afinal, como garantir que as populações marginalizadas participem ativamente das decisões que afetam o presente e futuro das Amazônias?
Em resposta a essa exclusão histórica, em 2023, um grupo de atores e organizações comunitárias das periferias de Belém lançou a COP das Baixadas, um movimento que busca promover o acesso à educação climática, justiça social e atividades culturais nas comunidades. Através de uma coalizão de organizações de base, a Conferência das Baixadas surgiu com o objetivo de inserir as vozes periféricas nos diálogos sobre a preservação da Amazônia. Sua segunda edição, realizada em março deste ano, foi marcada por debates on-line e presenciais, com foco especial na desmistificação do Acordo de Escazú — tratado assinado em 2018 por países da América Latina e Caribe para garantir transparência ambiental e proteção aos defensores do meio ambiente. No entanto, o movimento destacou a omissão do governo brasileiro, que até agora não ratificou o acordo no Congresso.
O gerente de comunidades da coalizão COP das Baixadas e jornalista de formação Matheus Botelho conta como funciona a dinâmica da organização.
"A COP das Baixadas é formada por 15 organizações lideradas por jovens, negros, LGBTs das periferias de Belém, e região metropolitana. E a COP nasceu como um evento, como uma conferência de clima feita pelas pessoas das periferias, para as pessoas das periferias, antes mesmo de Belém ter sido escolhida como sede da COP30 em 2025.”
O comunicador também explica que a necessidade de criar uma coalizão como essa surgiu quando uma das lideranças do movimento, Jean do Gueto, participou da COP27, no Egito, onde ele percebeu que as decisões eram tomadas por pessoas que não vivenciam de frente nem mesmo os primeiros impactos da crise climática, além da falta de representatividade periférica, negra e LGBTQIA+.
Além da segunda edição realizada este ano, a COP das Baixadas também desenvolveu uma ação inédita para incluir a população nas decisões sobre a crise climática.
"Nós lançamos este ano as Yellow Zones, que são as zonas da periferia. Nas conferências de clima (COP), existem duas zonas: a Blue Zone, que é uma zona mais fechada pra tomadores de decisões, chefes de Estado, onde de fato as decisões são tomadas, e a Green Zone, que é uma zona mais aberta que tem a participação da sociedade civil, feira de ciências de tecnologia e empresas. E nós lançamos a Yellow Zone, que é a zona de envolvimento comunitário para a descentralização do debate climático para as periferias de Belém", explica Matheus.
Outro ponto destacado pelo jornalista é o quão pouco os moradores da capital paraense sabem o que é a COP e como o evento funciona.
"Não é um evento que vai ser aberto pra todo mundo. Pra acessar a COP, tem que ter credencial e é um número limitado. Vão ter mais de 160 países presentes em Belém, então como é que as pessoas vão de fato chegar lá? As pessoas estão achando que vão, 'ah, eu vou estar na COP', 'vou passar lá', 'eu vou ver as coisas acontecerem'... E não vai ser assim que vai funcionar na prática”, pontua.
A COP das Baixadas coloca em pauta a urgência de amplificar as vozes das periferias, garantindo que as políticas climáticas não sejam apenas discutidas em círculos de elite, mas que priorizem as realidades das populações que mais sentem os impactos das mudanças climáticas. A inclusão dessas comunidades não é apenas desejável, é uma necessidade vital. À medida que a COP 30 se aproxima, é fundamental que o diálogo se expanda para além dos salões de conferência e atinja as periferias de Belém.
Por Emily Pinto e Luan Costa
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